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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Crack: Muito mais que uma pedra


Crack: Muito mais eu uma pedra


Resumo
O objetivo deste trabalho é fazer uma análise do comportamento doa usuários de crack e similares nas comunidades de Vila Embratel e Coroadinho bairros da periferia de São Luís, as observações aqui relatadas foram feitas nos meses de fevereiro e março de 2012, durante a realização da pesquisa nacional "Perfil dos usuários de crack nas 26 capitais, Distrito Federal, 9 regiões metropolitanas e Brasil", pesquisa do Ministério da Saúde coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz.
Para a realização deste estudo, foram usadas duas estratégias de campo, uma no viés da assistência a saúde que é a Redução de Danos, e a outra no viés da antropologia que é a Descrição Densa de Clifford Geertz.
Na discussão trazemos uma reflexão sobre as formas de uso, bem como os  perigos que o uso representa.

Introdução
O surgimento de um crack
“Eu vou descendo por todas as ruas,
eu vou tomar aquele velho navio, aquele velho navio”
Vapor Barato - O Rappa
Desde os primeiros indícios de existência da humanidade, há evidencias do uso de substancias que agem sobre o psicológico. Não há uma definição clara sobre drogas, o mais comum é defini-las como toda substância que altera o funcionamento do corpo, porém há controvérsias, existem alguns fármacos que causam alterações mais não são considerados drogas.  No Brasil as mais utilizadas são as de livre consumo (legais), como álcool, tabaco e algumas anfetaminas, porém hoje a droga em evidência é o crack e suas variações.
O uso de crack no mundo, e na sociedade brasileira em especial, surgiu no final da década de 1980 e seu aparecimento gerou várias reações na sociedade, entre estas iremos destacar o pânico moral.  De uma maneira simplista, podemos dizer que o pânico moral é criado e imposto pelos empresários morais.  Contudo, para tal  afirmação é necessário que façamos um breve debate sobre as regras na sociedade, sua criação, sua imposição e a repercussão de tal atitude. (“Craqueiros e Cracados:  Bem Vindo ao Mundo dos Nóias: Andrea Domanico)

Nos últimos dez anos, o Brasil tem vivenciado uma espécie de surto comandado por uma substancia a, o popular Crack. O crack é uma substancia produzida a base de cocaína, surge a partir da década de 1980, impulsionado pela classe menos favorecida dos grandes centros Norte-Americanos, no Brasil sua chegada foi por volta do ano de 1987, apesar de que nos dados oficiais os registros constam apenas a partir de 1989, porém, é importante frisar que neste período de dois anos o consumo era baixo, e em locais específicos da cidade de São Paulo. No Maranhão a pasta base chegou na primeira metade da década de 1990, ainda com o nome de merla, esta é uma das variações do crack, esta tem uma forma mais pastosa, por diferenciar no seu processo e produção, esta pode usar desde solução de bateria até aspirina, o que deixa ela com uma cor amarelada além do cheiro desagradável.
Em São Luís, o crack e suas variações são utilizados na maioria das vezes pelas classes sociais mais pobres, pelo preço ser menor, e pelo efeito ser mais forte do que a cocaína pura, que uma “carreira” pode chegar até Duzentos reais, enquanto uma pedra de crack com 5 gramas, custa cerca de Dez reais, e é suficiente para 3 “pipadas¹”. Neste contexto, acompanhei  o comportamento de usuários em quatro cenas de consumo de crack e similares, em dois Bairros da periferia de São Luís, em um período de um mês. O fato é que o crack tem sido considerado a pedra da morte, porém o que na verdade tem matado estes usuários é o preconceito e a falta de políticas que respeitem os direitos humanos.

A Descrição Densa e a Redução de Danos
“Vão falar que você usa drogas e diz coisas sem sentido”
O Mundo - Capital Inicial

 Este trabalho acadêmico surgiu baseado em duas estratégias de campo, uma é a Descrição Densa de Clifford James Geertz, que busca fazer um registro detalhado de tudo que é visto, percebido e escutado em campo, a fim de que não extravie materiais pesquisáveis.
A redução de danos é uma estratégia da Saúde, que visa minimizar as consequências do uso de drogas tanto nos aspectos da saúde, como nos aspectos sociais e econômicos, sem, necessariamente, reduzir esse consumo, ou exigir a abstinência.
Foi com estas estratégias que fui a campo, elas tem uma relação muito próxima, pois assim como a descrição densa, a redução de danos visa pensar o homem/mulher na sua integralidade, visa minimizar os impactos das drogas tanto nas questões que tange a saúde, como nas questões que referenciam os impactos sociais, ja Descrição Densa diz que não podemos exonerar-se dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de forma não emocionalizada, mas, que devemos mergulhar no meio delas. 


O crack em cena
            Quem me fornece é que ganha mais,
 a clientela é vasta eu sei”
A Feira – O Rappa

Em uma das minhas visitas a Vila Conceição, no bairro do Coroadinho encontro três rapazes, todos com mais de 18 anos, sentados sobre as raízes de uma mangueira faziam uso do crack em uma lata de cerveja, assim que nos aproximamos percebemos que o dois deles estava discutindo, um deles exclamou "Ei nóia, tu quer tudo pra ti?", reclamando por que segundo ele a substancia não estava sendo repassada para ele, como deveria ser, enquanto isso, um terceiro estava na "maresia" (palavra utilizada por eles para se referir ao efeito do crack no psíquico), e neste momento a sensação que temos é nós estamos em mundos diferentes, a um desligar das coisas que o rodeiam, mais este efeito é rápido, dura segundos na maioria dos casos.

A rua na qual estávamos era muita suja, o esgoto não canalizado deixava um mau cheiro, esta rua é uma das que dá acesso a avenida principal daquela região, numa penumbra, de acesso complicado (com muita lama, acabará de chover), um barranco que por vezes tornava-se escorregadio e perigoso. Algumas pessoas passavam no local, caminhavam em direção à feira, outras ao perceberem nossas presenças desviavam, "Bando de vacilão, eles pensam que vocês são do Robocop" disse um dos usuários, “Robocop” é o código para polícia, segundo ele as pessoas acreditavam que erámos espiões da polícia, por isso preferiam não passar por ali.

Os Craqueiros e o Perigo: A Experiência da Vila Embratel
“O meu prazer, agora é risco de vida”
Ideologia-Cazuza

Numa manhã de sol, me dirijo até a comunidade do Riacho Doce localizada na Vila Embratel, lá encontro três usuários de crack, esta foi a segunda visita ao local, em um terreno baldio com muitas arvores, bem no fim de uma rua, ao chegar encontramos eles sentados ao chão, fazendo o uso do Mesclado (Mesclado é o nome que se dá quando o crack é fumado com maconha ou tabaco), em um uso compartilhado rapidamente a substancia acaba, e logo eles passam a usar apenas a maconha. Bem próximo ao local, algumas crianças brincam, e preocupados com a movimentação, eles tentam ao máximo esconder que fazem uso de drogas, porém quando a frenesia aumenta logo deixam notar que estão em pleno uso.
Durante a estadia in locus um grupo de cinco jovens de outra área passaram pelo local, neste momento os três rapazes que estavam no local, se retiram, em busca do esconderijo, sem saber do risco continuo no local, o grupo a qual passou fazia parte de uma Gang  (facção) da rua 21, que fica no lado aposto ao Riacho Doce, e existe uma espécie de disputa de território entre os dois grupos. Ao passarem eles ameaçaram que voltariam para cobrar uma dívida, mais logo desapareceram. Passados uns cinco minutos, escutamos barulhos de disparos de uma arma de fogo, eram os jovens da Rua 21, que acabaram de praticar um assalto em comercio da região, e para fugir do local correram para  terrenos onde eu e o parceiro de pesquisa estávamos. Era cinco cada um com uma arma de fogo em mão, correram para nossa direção com as armas apontadas, querendo saber o porquê de não fugirmos do local, mostramos os crachás do ministério da saúde e falamos que estávamos a trabalho, foi quando amenizou a tensão do local.

Considerações finais:
“Qual é a droga que salva?
Qual é a dose letal?
Quem quer saber tudo isso
Será que agüenta a pressão?
Eu não sei a resposta”
Guantánamo - Engenheiros do Hawaii

É importante notar que os maiores problemas enfrentados pelos usuários de drogas hoje, e sobre tudo o crack é o preconceito, ainda por conta de uma política muito baseada no viés da repressão, que vem desde as campanhas "contra as drogas" até a ação polícia.
Por isso estratégias a redução de danos tem sortido efeitos positivos, e tem se fortalecido e criado, principalmente por conta do respeito a diversidade e pela luta política da defesa dos direitos de usuários de crack pelo Brasil.
Na reflexão de Geertz, o "estar lá", evidencia que é necessária uma preparação, do ponto de vista teórico, para que as evidências, os detalhes não passem sem ser registrados, escritos e percebidos, para que o transcrito no "estar aqui" possa se aproximar ao máximo do real.

Bibliografia
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. Págs. 13-41

  DOMANICO, Andrea.  “CRAQUEIROS  E  CRACADOS:  BEM  VINDO  AO  MUNDO  DOS NÓIAS!”  -  Estudo  sobre  a  implementação  de  estratégias  de  redução  de  danos para usuários de crack nos cinco projetos-piloto do Brasil/Andrea Domanico. - Salvador: A. Domanico, 2006. 220 páginas

DRADE, A. G. e LEITE, M. C. et. al. Cocaína e crack dos fundamentos ao tratamento, Porto Alegre: Ed. Artes Médicas do Sul; 1999.

BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Presidência da República,
Brasília, DF: 2006.

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