Crack:
Muito mais eu uma pedra
Resumo
O
objetivo deste trabalho é fazer uma análise do comportamento doa usuários de
crack e similares nas comunidades de Vila Embratel e Coroadinho bairros da
periferia de São Luís, as observações aqui relatadas foram feitas nos meses de
fevereiro e março de 2012, durante a realização da pesquisa nacional "Perfil
dos usuários de crack nas 26 capitais, Distrito Federal, 9 regiões
metropolitanas e Brasil", pesquisa do Ministério da Saúde coordenada pela
Fundação Oswaldo Cruz.
Para
a realização deste estudo, foram usadas duas estratégias de campo, uma no viés
da assistência a saúde que é a Redução de Danos, e a outra no viés da
antropologia que é a Descrição Densa de Clifford Geertz.
Na
discussão trazemos uma reflexão sobre as formas de uso, bem como os perigos que o uso representa.
Introdução
O
surgimento de um crack
“Eu vou descendo por todas as ruas,
eu vou tomar aquele velho navio,
aquele velho navio”
Vapor Barato - O Rappa
Desde
os primeiros indícios de existência da humanidade, há evidencias do uso de
substancias que agem sobre o psicológico. Não há uma definição clara sobre
drogas, o mais comum é defini-las como toda substância que altera o
funcionamento do corpo, porém há controvérsias, existem alguns fármacos que
causam alterações mais não são considerados drogas. No Brasil as mais utilizadas são as de livre
consumo (legais), como álcool, tabaco e algumas anfetaminas, porém hoje a droga
em evidência é o crack e suas variações.
O
uso de crack no mundo, e na sociedade brasileira em especial, surgiu no final
da década de 1980 e seu aparecimento gerou várias reações na sociedade, entre estas
iremos destacar o pânico moral. De uma
maneira simplista, podemos dizer que o pânico moral é criado e imposto pelos
empresários morais. Contudo, para tal afirmação é necessário que façamos um breve
debate sobre as regras na sociedade, sua criação, sua imposição e a repercussão
de tal atitude. (“Craqueiros e
Cracados: Bem Vindo ao Mundo dos Nóias:
Andrea Domanico)
Nos
últimos dez anos, o Brasil tem vivenciado uma espécie de surto comandado por
uma substancia a, o popular Crack. O crack é uma substancia produzida a base de
cocaína, surge a partir da década de 1980, impulsionado pela classe menos
favorecida dos grandes centros Norte-Americanos, no Brasil sua chegada foi por
volta do ano de 1987, apesar de que nos dados oficiais os registros constam apenas
a partir de 1989, porém, é importante frisar que neste período de dois anos o
consumo era baixo, e em locais específicos da cidade de São Paulo. No Maranhão
a pasta base chegou na primeira metade da década de 1990, ainda com o nome de
merla, esta é uma das variações do crack, esta tem uma forma mais pastosa, por
diferenciar no seu processo e produção, esta pode usar desde solução de bateria
até aspirina, o que deixa ela com uma cor amarelada além do cheiro
desagradável.
Em
São Luís, o crack e suas variações são utilizados na maioria das vezes pelas
classes sociais mais pobres, pelo preço ser menor, e pelo efeito ser mais forte
do que a cocaína pura, que uma “carreira” pode chegar até Duzentos reais,
enquanto uma pedra de crack com 5 gramas, custa cerca de Dez reais, e é
suficiente para 3 “pipadas¹”. Neste contexto, acompanhei o comportamento de usuários em quatro cenas de
consumo de crack e similares, em dois Bairros da periferia de São Luís, em um
período de um mês. O fato é que o crack tem sido considerado a pedra da morte,
porém o que na verdade tem matado estes usuários é o preconceito e a falta de
políticas que respeitem os direitos humanos.
A
Descrição Densa e a Redução de Danos
“Vão
falar que você usa drogas e diz coisas sem sentido”
O
Mundo - Capital Inicial
Este trabalho acadêmico surgiu baseado em duas
estratégias de campo, uma é a Descrição Densa de Clifford James Geertz, que
busca fazer um registro detalhado de tudo que é visto, percebido e escutado em
campo, a fim de que não extravie materiais pesquisáveis.
A
redução de danos é uma estratégia da Saúde, que visa minimizar as consequências
do uso de drogas tanto nos aspectos da saúde, como nos aspectos sociais e
econômicos, sem, necessariamente, reduzir esse consumo, ou exigir a abstinência.
Foi
com estas estratégias que fui a campo, elas tem uma relação muito próxima, pois
assim como a descrição densa, a redução de danos visa pensar o homem/mulher na
sua integralidade, visa minimizar os impactos das drogas tanto nas questões que
tange a saúde, como nas questões que referenciam os impactos sociais, ja
Descrição Densa diz que não podemos exonerar-se dos dilemas existenciais da
vida em favor de algum domínio empírico de forma não emocionalizada, mas, que
devemos mergulhar no meio delas.
O
crack em cena
“Quem me fornece é que ganha mais,
a clientela é vasta eu sei”
A
Feira – O Rappa
Em
uma das minhas visitas a Vila Conceição, no bairro do Coroadinho encontro três
rapazes, todos com mais de 18 anos, sentados sobre as raízes de uma mangueira
faziam uso do crack em uma lata de cerveja, assim que nos aproximamos
percebemos que o dois deles estava discutindo, um deles exclamou "Ei nóia,
tu quer tudo pra ti?", reclamando por que segundo ele a substancia não
estava sendo repassada para ele, como deveria ser, enquanto isso, um terceiro
estava na "maresia" (palavra utilizada por eles para se referir ao
efeito do crack no psíquico), e neste momento a sensação que temos é nós
estamos em mundos diferentes, a um desligar das coisas que o rodeiam, mais este
efeito é rápido, dura segundos na maioria dos casos.
A
rua na qual estávamos era muita suja, o esgoto não canalizado deixava um mau
cheiro, esta rua é uma das que dá acesso a avenida principal daquela região,
numa penumbra, de acesso complicado (com muita lama, acabará de chover), um
barranco que por vezes tornava-se escorregadio e perigoso. Algumas pessoas
passavam no local, caminhavam em direção à feira, outras ao perceberem nossas
presenças desviavam, "Bando de vacilão, eles pensam que vocês são do
Robocop" disse um dos usuários, “Robocop” é o código para polícia, segundo
ele as pessoas acreditavam que erámos espiões da polícia, por isso preferiam
não passar por ali.
Os Craqueiros e o Perigo: A
Experiência da Vila Embratel
“O
meu prazer, agora é risco de vida”
Ideologia-Cazuza
Numa
manhã de sol, me dirijo até a comunidade do Riacho Doce localizada na Vila
Embratel, lá encontro três usuários de crack, esta foi a segunda visita ao
local, em um terreno baldio com muitas arvores, bem no fim de uma rua, ao
chegar encontramos eles sentados ao chão, fazendo o uso do Mesclado (Mesclado é
o nome que se dá quando o crack é fumado com maconha ou tabaco), em um uso
compartilhado rapidamente a substancia acaba, e logo eles passam a usar apenas
a maconha. Bem próximo ao local, algumas crianças brincam, e preocupados com a
movimentação, eles tentam ao máximo esconder que fazem uso de drogas, porém
quando a frenesia aumenta logo deixam notar que estão em pleno uso.
Durante
a estadia in locus um grupo de cinco
jovens de outra área passaram pelo local, neste momento os três rapazes que
estavam no local, se retiram, em busca do esconderijo, sem saber do risco continuo
no local, o grupo a qual passou fazia parte de uma Gang (facção) da rua 21, que
fica no lado aposto ao Riacho Doce, e existe uma espécie de disputa de
território entre os dois grupos. Ao passarem eles ameaçaram que voltariam para
cobrar uma dívida, mais logo desapareceram. Passados uns cinco minutos,
escutamos barulhos de disparos de uma arma de fogo, eram os jovens da Rua 21,
que acabaram de praticar um assalto em comercio da região, e para fugir do
local correram para terrenos onde eu e o
parceiro de pesquisa estávamos. Era cinco cada um com uma arma de fogo em mão,
correram para nossa direção com as armas apontadas, querendo saber o porquê de
não fugirmos do local, mostramos os crachás do ministério da saúde e falamos
que estávamos a trabalho, foi quando amenizou a tensão do local.
Considerações finais:
“Qual
é a droga que salva?
Qual é a dose letal?
Quem quer saber tudo isso
Será que agüenta a pressão?
Qual é a dose letal?
Quem quer saber tudo isso
Será que agüenta a pressão?
Eu
não sei a resposta”
É
importante notar que os maiores problemas enfrentados pelos usuários de drogas
hoje, e sobre tudo o crack é o preconceito, ainda por conta de uma política
muito baseada no viés da repressão, que vem desde as campanhas "contra as
drogas" até a ação polícia.
Por
isso estratégias a redução de danos tem sortido efeitos positivos, e tem se
fortalecido e criado, principalmente por conta do respeito a diversidade e pela
luta política da defesa dos direitos de usuários de crack pelo Brasil.
Na
reflexão de Geertz, o "estar lá", evidencia que é necessária uma
preparação, do ponto de vista teórico, para que as evidências, os detalhes não
passem sem ser registrados, escritos e percebidos, para que o transcrito no
"estar aqui" possa se aproximar ao máximo do real.
Bibliografia
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
Págs. 13-41
DOMANICO,
Andrea. “CRAQUEIROS E CRACADOS:
BEM VINDO AO
MUNDO DOS NÓIAS!” -
Estudo sobre a
implementação de estratégias
de redução de
danos para usuários de crack nos cinco projetos-piloto do Brasil/Andrea
Domanico. - Salvador: A. Domanico, 2006. 220 páginas
DRADE, A. G. e LEITE, M. C. et. al. Cocaína e crack dos fundamentos ao tratamento,
Porto Alegre: Ed. Artes Médicas do Sul; 1999.
BRASIL. Lei
n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Presidência da República,
Brasília, DF: 2006.
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